sábado, 3 de dezembro de 2022

Espiritualidade e transcendência em Carl Gustav Jung

 Jung O título do volume de textos selecionados das Obras Completas de C.G. Jung apresentado aqui é “Espiritualidade e transcendência”. Entretanto, quem procura pela palavra-chave “espiritualidade” em passagens das Obras de C.G. Jung não encontra muita coisa. A palavra “espiritualidade”, como é usada hoje em dia, não era usual na época de Jung. “Religião” e “religiosidade” eram as designações estabelecidas. A convicção de Jung é esta: “Minha opinião é que as religiões se acham tão próximas da alma humana, com tudo quanto elas são e exprimem, que a psicologia de maneira alguma pode ignorá-las” (OC 11/2, § 172). Ele se preocupou em desenvolver uma psicologia da experiência religiosa. Jung ocupa-se, portanto, com a “experiência religiosa”, que para ele é um fenômeno psíquico. Ele diz: “Deus nunca falou com o ser humano senão pela alma e a alma o entende, e nós percebemos isso como algo psíquico. Quem chama a isso de psicologizar renega o olho que vê o sol”. Jung sustenta uma compreensão da psique como espaço de experiência do numinoso, defendendo novos modos de ver fenômenos e experiências religiosos que até aquele momento não haviam ocorrido na psicologia da religião. Esses fenômenos e experiências se revestem de grande importância para ele. Por isso, ele diz: “Se tentarmos definir a estrutura psicológica da experiência religiosa, isto é, da experiência integradora, curadora, salvadora e abrangente, parece que a fórmula mais simples que podemos encontrar é a seguinte: na experiência religiosa, o homem se depara com um outro ser, espiritual, superpoderoso” (OC 10/4, § 655). As experiências espirituais põem as pessoas em contato com âmbitos situados além da consciência cotidiana. Jung fala às vezes do “transcendente-empírico”. O próprio Jung precisou lutar por muitos anos com a religião e imagens de Deus como forças eficazes. Testemunha dessa luta é também o assim chamado Livro Vermelho, o documento de um auto-experimento especial de Jung e de suas explorações do inconsciente. O conceito da transcendência possui diversos significados em Jung. A descrição do que ele caracteriza como a “função transcendente” psicológica trata da “união de conteúdos conscientes e inconscientes”. Ele enfatiza que isso não deve ser entendido “como algo de misterioso e por assim dizer suprassensível ou metafísico, mas uma função psicológica, que, por sua natureza, pode-se comparar com uma função matemática de igual denominação” (OC 8/2, § 131). 

 

O que se pretende com isso é abolir a separação entre a consciência e o inconsciente, para compensar as unilateralidades da consciência. Ele enfatiza que “com ‘transcendente’ não quer designar nenhuma qualidade metafísica, mas o fato de que, por meio dessa função, é criada uma transição de uma mentalidade para outra” (OC 6, § 833). Na função transcendente Jung descreve, por conseguinte, a capacidade fundante da transposição da fronteira entre as porções conscientes e as inconscientes da psique. A transcendência da psique, da qual ele fala em outras passagens, refere-se a experiências espirituais de conexão com o divino, com o absoluto, a ter como referência algo mais abrangente, maior, às possibilidades de experiência que transcendem a consciência cotidiana, à transposição das fronteiras entre imanência e transcendência. “Que o mundo, tanto por fora como por dentro, é sustentado por bases transcendentais, é algo tão certo quanto nossa própria existência” (OC 14/II, § 442). 

 

A transcendência da psique permite experimentar outra “realidade por trás da realidade”. Jung se interessou por demonstrar isso reiteradamente. Trata-se do conhecimento de que tudo – o mundo físico e psíquico, corpo e espírito, o que pode ser apreendido e percebido com os sentidos e o mundo invisível do inconsciente – faz parte de uma totalidade indivisível, perfazendo um campo da realidade una, chamada por Jung de unus mundus. Como mostra o conjunto de sua obra, Jung ocupou-se durante toda a sua vida com questões espirituais, transculturais e transpessoais. Seu interesse voltou-se para o âmbito das experiências espirituais situadas além de confissões, igrejas e tradições religiosas. Em sua biografia Memórias, sonhos e reflexões. ele descreve sua atitude espiritual básica. Jung diz ali a seu respeito: “Constato que todos os meus pensamentos giram em torno de Deus como os planetas em torno do sol e, como estes, são atraídos irresistivelmente para Ele como um sol. Eu sentiria como o maior dos pecados se tivesse que oferecer resistência a esse poder”. E ele confessa: “A natureza, a alma e a vida se manifestam a mim como a divindade revelada”. Marie-Louise von Franz, que por muitos anos cooperou com Jung, também o descreve como uma pessoa “que com paixão e sofrimento extremos pugnava sem cessar com o problema de Deus. Ele relacionava com Deus tudo o que acontecia com ele e no mundo e indagava dele o porquê e o para quê”. Sua postura também ganha expressão nas seguintes sentenças:  “Tudo que tem vida sofre mudança. Não deveríamos nos contentar com tradições imutáveis” (OC 18/11, § 1.652).  “Como se sabe, em questões religiosas não é possível entender o que não foi interiormente experimentado” (OC 12, § 15). “O passo na direção de uma consciência mais elevada leva a abandonar todas as coberturas e seguranças” (OC 13, § 25). 

[…]

As dimensões espirituais da Psicologia Analítica 

 

Na imagem de ser humano de Jung, o transcendente como ponto de referência constitui o aspecto decisivo da vida humana: “A pergunta decisiva para o ser humano é esta: tens o infinito como referência? Este é o critério de sua vida. [...] Quando alguém entende e sente que está conectado ao ilimitado já nesta vida, modificam-se seus desejos e sua atitude. No final das contas, só valemos algo por causa do essencial e, quando não se tem isto, a vida foi desperdiçada”. O próprio Jung confessa: “O interesse principal do meu trabalho não reside no tratamento de neuroses, mas na aproximação ao numinoso”. Ele se defende da acusação de ter construído uma psicologia que injustificadamente conectaria a alma com temas e dimensões religiosas: “Não fui eu que inventei uma função religiosa para a alma; o que eu fiz foi apresentar fatos comprovando que a alma é ‘naturaliter [por natureza] religiosa’” (OC 12, § 14). E, em outra passagem, ele escreve isto: “A imagem de Deus não é uma invenção que se achega ao ser humano sua sponte [espontaneamente], do que se pode ter suficiente ciência quando não se prefere trocar a verdade pela ofuscação advinda de preconceitos ideológicos” (OC 9/II, § 303). Todas as contribuições de Jung à psicologia da religião devem ser vistas como construídas sobre a base de sua tese inicial: a necessidade psíquica da “religio”, da “religação” a algo maior, a algo inteiro. Seguidamente ele se empenha por delimitar a problemática psicológica em relação à problemática teológica. Ele recusa a pergunta pela existência de um Deus transcendente e, não obstante, acerca-se desse tema insistentemente. Ele ressalta que, ele próprio, na condição de psicólogo, nada pode dizer sobre Deus em si, mas somente alguma coisa sobre imagens e símbolos de Deus e nada mais. Todavia, justamente estes podem transmitir experiência espiritual, dado que elas têm conteúdos que transcendem a consciência. Símbolos são imagens significativas. Eles surgem quando algo exterior é associado com um conteúdo espiritual, um significado ou um sentido. Símbolos não são signos visíveis de uma realidade não visível. Na compreensão da Psicologia Analítica de C.G. Jung, os símbolos transportam conteúdos psíquicos inconscientes até a consciência. Eles têm um efeito integral sobre o pensar e o sentir, sobre a percepção, a fantasia e a intuição. Eles unem os lados conscientes e inconscientes da psique. Símbolos sempre são mais do que meros signos. Eles estão altamente carregados de energia e por vezes têm efeitos misteriosos. Quem se envolve com símbolos abandona o superficial e se põe a caminho das profundezas. Os símbolos arquetípicos e, assim, também as imagens de Deus do simbolismo religioso possuem caráter numinoso e são chaves para as camadas profundas da existência humana. Enunciados sobre o divino são para Jung, portanto, descrições de possibilidades de experiências espirituais da psique humana; eles não são enunciados teológicos, mas enunciados psicológicos. A formulação psicológica da questão dirige o foco para o que se passa na alma e para o que lhe é próprio. No entanto, Jung chega ao ponto de dizer: “Em todo caso, a alma precisa ter dentro de si uma possibilidade de relação, ou seja, uma correspondência com a essência de Deus, senão jamais poderia estabelecer-se uma conexão. Essa correspondência é, em termos psicológicos, o arquétipo da imagem de Deus” (OC 12, § 11). O encontro com os campos de força dos arquétipos e com suas simbolizações também é, para Jung, uma experiência numinosa. Ele adverte: “Sempre que se tratar de configurações arquetípicas, tentativas de explicação personalistas induzem a erro” (OC 10, § 646). Para ele, a ampliação da consciência – Jung a chama de “elevação da consciência” –, que também pode acontecer no confronto com conteúdos arquetípicos, é destinação humana: “Decerto é por isso que a vida terrena tem um significado tão grande e aquilo que uma pessoa leva para o além na hora de morrer se reveste de tão grande importância; só aqui, na vida terrena, onde se dá o embate dos opostos, pode-se elevar a consciência universal. Essa parece ser a tarefa metafísica do ser humano”. O desenvolvimento da consciência humana tem, para Jung, um significado cósmico, porque nele o universo reconhece a si mesmo; o ser humano existe para “que o Criador se torne consciente de sua criação e o ser humano de si mesmo”.

 

(Extraído do livro “Jung, C.G., 1875-1961. Espiritualidade e transcendência. Seleção e edição de Brigitte Dorst ; tradução da introdução de Nélio Schneider. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2015. Páginas 13-16 e 17-19, no e-book da Amazon).

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Nosso Lar, uma brevíssima análise

 

Djalma Argollo

 

Um dos pré-requisitos essenciais ao se analisar uma publicação é situa-la na época em que foi escrita. Esse livro psicografado pelo médium Francisco Cândido Xavier, teve sua primeira edição publicada em 1943. Outro ponto é que o médium havia nascido em 1910. O que tem isso a ver? Tudo. O mundo em 1943 estava em plena segunda grande guerra, que foi de 01 de  setembro de 1939 a 02 de setembro de 1945. O espírito que o ditou, segundo dados que ele próprio deixa escapar, deve ter nascido por volta de 1885 e desencarnado aos 45 anos, por volta de 1930/1931, por causa de uma obstrução intestinal por causa de câncer e sífilis. Enquanto encarnado formou-se e exerceu a medicina. Segundo o prefaciador espiritual do livro, o espírito Emmanuel, ele teria sido, além de médico, “e autor humano”, ou seja, escreveu e publicou livros.

A formação cultural, tanto do médium quanto do espírito remonta aos inícios da primeira metade do século XX. Por essa época quem escrevia tinha de demonstrar duas coisas: a) cultura, e b) erudição. Tinha portanto de demonstrar conhecimento e, além disso, usar a mais rebuscada forma de escrever possível. Por isso, o livro Nosso Lar, tem uma linguagem que, hoje, 80%, no mínimo, das pessoas que o leem, não entendem muitas palavras, nem as hipérboles usadas. Querem um exemplo? Aqui vai como o médico Henrique de Luna, estabelece a causa mortis do seu colega: Vejamos a zona intestinal – exclamou – A oclusão derivava e elementos cancerosos, e estes, por sua vez, de algumas leviandades do meu estimado irmão, no campo da sífilis. Olha, muitas pessoas não entenderão a metáfora “leviandades do meu estimado irmão, no campo da sífilis”, isto porque não seria elegante dizer: “por causa da frequência do meu estimado irmão aos prostíbulos”, o que aliás era hábito no século XX, até mais ou menos 1960, quando a pílula anticoncepcional democratizou a relação sexual.

A colônia Nosso Lar (?), colônia de que país espiritual? Colônia de férias? Colônia é fruto da mentalidade terceiro mundista do brasileiro à época. Inclusive é um problema esse “título” esdrúxulo, quando o livro é traduzido para outras línguas, por exemplo, tenho uma tradução para o inglês cujo título é: The Astral City. Ou seja, tiveram pudor em colocar o nome de “Astral Colony”? Ah, e toda a série Luizina, publicada em inglês, com o aval do CEI – Conselho Espirita Internacional, é dita ser “romance espírita”, eu tenho, por isso posso falar. Ou seja, tem o mesmo valor que qualquer obra de ficção: pura imaginação.

Ah! Cidade tem uma história: “Nosso Lar" é antiga fundação de portugueses distintos, desencarnados no Brasil, no século XVI. A princípio, enorme e exaustiva foi a luta, segundo consta em nossos arquivos no Ministério do Esclarecimento. Há substâncias ásperas nas zonas invisíveis à Terra, tal como nas regiões que se caracterizam pela matéria grosseira. Aqui também existem enormes extensões de potencial inferior, como há, no planeta, grandes tratos de natureza rude e incivilizada. Os trabalhos primordiais foram desanimadores, mesmo para os espíritos fortes. Onde se congregam hoje vibrações delicadas e nobres, edifícios de fino lavor, misturavam­se as notas primitivas dos silvícolas do país e as construções infantis de suas mentes rudimentares”. Rapaz, não sei como os sociólogos e antropólogos sociais não entraram na justiça, ainda, contra essa frase absurda: “as notas primitivas dos silvícolas do país e as construções infantis de suas mentes rudimentares”, isso demonstra a mentalidade elitista da época, que tanto o o espírito, quanto o médium e a Federação Espirita Brasileira, em relação aos silvícolas, considerados seres inferiores a eles. Mas, não para só aí a história. Nosso Lar teve um período de conturbação social, com ações desonestas por parte de suas autoridade, que praticavam negócios ilícitos e clandestinos. Resultado, um novo governador decretou estado de sítio, prendeu os cabeças das facaltruas, e proibiu que se comesse outra coisa que não ar e água fluidificada. Tinha de ser brasileira, não há dúvida. Também, como houvesse ameaça de invasão da cidade, colocou em ação as armas defensivas, nos seus muros. “Tudo isso provocou enormes cisões nos órgãos coletivos de "Nosso Lar", dando ensejo a perigoso assalto das multidões obscuras do Umbral, que tentaram invadir a cidade, aproveitando brechas nos serviços de Regeneração, onde grande número de colaboradores entretinha certo intercâmbio clandestino, em virtude dos vícios de alimentação. Dado o alarme, o Governador não se perturbou. Terríveis ameaças pairavam sobre todos. Ele, porém, solicitou audiência ao Ministério da União Divina e, depois de ouvir o nosso mais alto Conselho, mandou fechar provisoriamente o Ministério da Comunicação, determinou funcionassem todos os calabouços da Regeneração, para isolamento dos recalcitrantes, advertiu o Ministério do Esclarecimento, cujas impertinências suportou mais de trinta anos consecutivos, proibiu temporariamente os auxílios às regiões inferiores e, pela primeira vez na sua administração, mandou ligar as baterias elétricas das muralhas da cidade, para emissão de dardos magnéticos a serviço da defesa comum”.

Nosso Lar está cheio de revelações sem qualquer prévia ou posterior explicação. A cidade Nosso Lar, está repleta de bosques, árvores, plantas e flores! Vindas de onde? Espíritos de vegetais desencarnados? Tem animais domésticos! Os espíritos desses animais que morreram? Tem “muares” e cães! São os fantasmas dos que aqui se finaram? Silêncio tumular. 

Nosso lar tem moeda própria, logo uma economia: o bônus-hora. “O espírito que ainda não trabalha, poderá ser abrigado aqui; no entanto, os que cooperem podem ter casa própria. O ocioso vestirá, sem dúvida; mas o operário dedicado vestirá o que melhor lhe pareça”! Como assim? Tem indústria têxtil, para que o trabalhador possa “vestir o que melhor lhe pareça”?

  “O bônus­hora, no fundo, é o nosso dinheiro. Quaisquer utilidades são adquiridas com esses cupons, obtidos por nós mesmos, a custa de esforço e dedicação. As construções em geral representam patrimônio comum, sob controle da Governadoria; cada família espiritual, porém, pode conquistar um lar (nunca mais que um), apresentando trinta mil bônus­hora, o que se pode conseguir com algum tempo de serviço”. Observe-se “Quaisquer utilidades são adquiridas com esses cupons”! Quer dizer que há comércio? O interessante é: “cada família espiritual, porém, pode conquistar um lar (nunca mais que um), apresentando trinta mil bônus­hora”. Ou seja, isto quer dizer que existem empresas de construções? Rapaz, quando li “Nosso Lar” , há muitos e muitos anos, me senti ludibriado. Diziam que tudo que se construía no mundo espiritual era construções mentais: eu queria uma casa, pensava nela e pimba, olha ela ali. Veio André Luiz e disse: nada disso, tem de comprar. Para mim as roupas eram questão de eu pensar que queria estar vestido, mentalizar o tipo e modelo e pronto, estava vestido na hora, André Luiz me desmentiu: pode vestir o que quiser, mas tem de pagar.

Para finalizar, Nosso Lar parece mais um convento, do que um “cidade” (o que na verdade não é, mas sim uma colônia, de que tipo não se sabe). E olha que nem falei do pretenso umbral, um maneira rebuscada e pretensiosa do autor espiritual se referir à região de passagem descrita por Frederic Myers, desencarnado, através da médium Geraldine Cummins. Umbral é uma palavra que vem do latim, e significa: soleira, ombreira!

Muita paz!

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Reencarnação e Tendência

 

O universo é composto de padrões que se repetem em vários níveis do seu existir. Um padrão ao qual está submetido o próprio cosmos é: nascer, desenvolver-se, reproduzir-se e morrer, ou seja, mudar de estado, transformar-se. E este é outro padrão universal: transformação ou mudança. Isto porque, como intuiu Lavoisier: nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. Gradativamente vamos descobrindo que realmente existe uma energia (no sentido etimológico do termo: do grego enérgeiano interior do trabalho) fundamental: o princípio espiritual. A física ensina que, no universo, a energia se conserva sempre a mesma, e toda a matéria é apenas a energia em estado “sólido”. Com base na lei dos padrões, podemos inferir que, a energia fundamental (ou fluido universal, na linguagem mecanicista de O Livro dos Espíritos) deva ser o princípio espiritual que é a “energia” fundamental” da qual tudo deriva, isto é, tudo o que existe seria apenas princípio espiritual modificado. Estou aqui tomando como padrão, a lei da conservação da energia, citada na segunda sentença acima. Mas alguém poderá perguntar: O que a reencarnação tem a ver com isso? Naturalmente quem perguntar não percebeu que estou escrevendo sobre reencarnação desde o início. A energia material está sempre reencarnando como uma forma material qualquer e nela viver o por tempo determinado, evoluindo no processo, sem mudar estruturalmente. Um simples olhar na Tabela Estequiogenética, comprova o que acabo de dizer. O que significa a série dos elementos que vai do hidrogênio ao urânio 92, senão níveis evolutivos da energia, encarnada, em forma material? 

Assim, podemos, analogicamente, elucubrar que o princípio espiritual é a “energia” básica que esta sempre em perpétua transformação, formando e encarnando em tudo o que existe, desde o momento em que se forma além do tempo e do espaço, até que, assim como a energia material na Escala de Mendeleiev, tende a voltar a ser o que sempre foi, porém gora consciente do que é e do que deseja realizar, no vir a ser universal; e estou aqui me referindo a universal no sentido em que cósmico significa, para mim, todas as estruturas espirituais e materiais, como uma coisa única, que se apresenta em modalidades vibratórias diferenciadas, tendo como princípio fundamental o princípio espiritual em diversos momentos de manifestação.

Então, estou aqui a teorizar não apenas sobre as tendências da entidade espiritual, em cada uma de suas reencarnações no mundo físico, mas sobre a tendência fundamental do princípio espiritual, desde o seu surgir, até que adquira completa consciência do que é e do que deseja realizar no concerto do metaverso.

O princípio espiritual está, portanto, numa jornada do herói, procurando saber o que é, qual o motivo de sua existência, e qual o objetivo dela. Dessa tendência básica, vão derivar todas as tendências subsidiárias, em todas as estruturas que cria e nas quais encarna. Dessa forma, através dos personagens temporários criados durante a construção do seu mito pessoal, vive experiências diversificadas, pelas quais, gradativamente, descobre e realiza aquilo que é sua busca arquetípica fundamental: Qual a razão da minha existência?    

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Alguns apontamentos sobre o estresse e sua profilaxia



Estresse, ou stress, tem dois aspectos pelos quais pode ser analisado: I - a soma de respostas físicas e mentais causadas por estressores que são estímulos externos, os quais permitem ao indivíduo superar exigências do meio ambiente e  II - o desgaste físico e mental causado pelo esforço despendido no processo.
Na Física, o termo estresse designa a tensão e o desgaste apresentados pelos materiais em  experiências ou no uso. Foi aplicado pela primeira vez aos seres vivos em 1936 pelo médico Hans Selye em artigo na revista científica Nature.
O estresse nasce da mudança brusca no estilo de vida e a exposição a um determinado meio, o qual provoca angústia. Quando os sintomas do estresse persistem por  tempo prolongado, podem ocorrer sentimentos de evasão, provocados por ansiedade e depressão. Em tais condições, os mecanismos de defesa não funcionam eficazmente, possibilitando a ocorrência de doenças, especialmente cardiovasculares.
Pessoas com o ego não devidamente estruturado têm mais dificuldade de evitar o estresse ou combatê-lo. Uma forma de evitar ou diminuir o estresse é a derivação da mente, nas situações estressantes, para lembranças de momentos felizes, e a programação imaginativa de situações semelhantes, ou a elaboração mental de atitudes que resolverão o que está sendo o motivo do estresse. Enfim, deve-se procurar desligar da ansiedade causada pelo momento estressante.
O pensamento positivo, a imaginação ativa, enfim, a fantasia sobre situações agradáveis e compensadoras, enquanto o processo estressante está em curso, minimiza o impacto dele em nosso psiquismo. Uma situação que não tem jeito, como um engarrafamento, em vez da pessoa ficar reforçando a preocupação com o atraso, com o que vai acontecer, deve pensar: "Como não posso fazer nada, vou aproveitar e pensar na programação de minhas férias", por exemplo, ou evocar um momento que foi muito agradável. Enfim, aproveitar para fantasiar coisas que tragam alegria e bem estar.
A hiigiene mental, os exercícios físicos, freqüência a ambientes culturais como teatro, palestras, círculos de meditação e/ou oração, ver filmes, "jogar conversa fora" com amigos de forma regular, são medidas que evitam a instalação do estresse e sua coorte de consequências prejudiciais à saúde física e mental. O que deve ser evitado é o se querer aliviar a tensão "tomando uma bebida para relaxar" ou usar outra droga com o mesmo objetivo. Isto pode causar dependências extremamente prejudiciais de todos os pontos de vista.
Nas situações de estresse agudo, duas atitudes devem ser tomadas: a consulta com um terapeuta, ou psicólogo, o qual tem a necessária capacitação para dar as orientações corretas sobre o como lidar com o problemas, como também recomendar a consulta ao psiquiátra nos casos em que se faça necessário o uso de medicação devida.

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Viver como espírito


Filosofando sobre Deus, podemos formular uma imagem metafísica que proporcione compreensão teórica sobre a existência do espírito e sua diversidade existencial. 

A criação seria uma forma do Criador poder se ver a si mesmo de diferentes formas e maneiras, tomando consciência de si mesmo. Afinal, somente podemos nos perceber a partir da alteridade, ou seja, desde que exista um outro no qual possamos nos ver refletidos.  

Ora, um ser, digamos assim, existindo fora do tempo e espaço viveria uma imensa solidão atemporal e aespacial e uma transcendente auto incompreensão. Ao criar o princípio espiritual, uma singular imagem de si mesmo, com um impulso primordial de criar meios e modos de se tornar consciente e poder interagir conscientemente com ele, Deus igualmente ampliaria sua auto percepção de infinitas maneiras.

Ao nos descobrir como essa singularidade primordial, imagem e semelhança do Criador, nos tornamos colaboradores autônomos em todo o conjunto da Criação. Desenvolvendo a consciência de nós mesmos, entramos na fase evolutiva de descobrir e atualizar conscientemente potencialidades que estão ínsitas em nós, como herança genética, pelo processo de nossa criação. 

Deixando, portanto, o período do império das circunstâncias que nos forçaram a atualizar os potenciais necessários à autodescoberta, nos tornarmos os artífices do processo, assumindo a autonomia que nos permite ser o que, e como, quisermos no contexto da criação. E, quem sabe, nesse processo, o Criador também descubra algo mais sobre Si mesmo. Afinal, a individualidade permite ao espírito criar condições, através de escolhas próprias e singulares, criando uma comunidade espiritual de seres com uma variedade infinita de recursos e maneiras de ser, agir e criar.


quinta-feira, 4 de novembro de 2021

 Nosso Lar, uma brevíssima análise

 

Djalma Argollo

 

Um dos pré-requisitos essenciais ao se analisar uma publicação é situa-la na época em que foi escrita. Esse livro psicografado pelo médium Francisco Cândido Xavier, teve sua primeira edição publicada em 1943. Outro ponto é que o médium havia nascido em 1910. O que tem isso a ver? Tudo. O mundo em 1943 estava em plena segunda grande guerra, que foi de 01 de  setembro de 1939 a 02 de setembro de 1945. O espírito que o ditou, segundo dados que ele próprio deixa escapar, deve ter nascido por volta de 1885 e desencarnado aos 45 anos, por volta de 1930/1931, por causa de uma obstrução intestinal por causa de câncer e sífilis. Enquanto encarnado formou-se e exerceu a medicina. Segundo o prefaciador espiritual do livro, o espírito Emmanuel, ele teria sido, além de médico, “e autor humano”, ou seja, escreveu e publicou livros.

A formação cultural, tanto do médium quanto do espírito remonta aos inícios da primeira metade do século XX. Por essa época quem escrevia tinha de demonstrar duas coisas: a) cultura, e b) erudição. Tinha portanto de demonstrar conhecimento e, além disso, usar a mais rebuscada forma de escrever possível. Por isso, o livro Nosso Lar, tem uma linguagem que, hoje, 80%, no mínimo, das pessoas que o leem, não entendem muitas palavras, nem as hipérboles usadas. Querem um exemplo? Aqui vai como o médico Henrique de Luna, estabelece a causa mortis do seu colega: Vejamos a zona intestinal – exclamou – A oclusão derivava e elementos cancerosos, e estes, por sua vez, de algumas leviandades do meu estimado irmão, no campo da sífilis. Olha, muitas pessoas não entenderão a metáfora “leviandades do meu estimado irmão, no campo da sífilis”, isto porque não seria elegante dizer: “por causa da frequência do meu estimado irmão aos prostíbulos”, o que aliás era hábito no século XX, até mais ou menos 1960, quando a pílula anticoncepcional democratizou a relação sexual.

A colônia Nosso Lar (?), colônia de que país espiritual? Colônia de férias? Colônia é fruto da mentalidade terceiro mundista do brasileiro à época. Inclusive é um problema esse “título” esdrúxulo, quando o livro é traduzido para outras línguas, por exemplo, tenho uma tradução para o inglês cujo título é: The Astral City. Ou seja, tiveram pudor em colocar o nome de “Astral Colony”? Ah, e toda a série Luizina, publicada em inglês, com o aval do CEI – Conselho Espirita Internacional, é dita ser “romance espírita”, eu tenho, por isso posso falar. Ou seja, tem o mesmo valor que qualquer obra de ficção: pura imaginação.

Ah! Cidade tem uma história: “Nosso Lar" é antiga fundação de portugueses distintos, desencarnados no Brasil, no século XVI. A princípio, enorme e exaustiva foi a luta, segundo consta em nossos arquivos no Ministério do Esclarecimento. Há substâncias ásperas nas zonas invisíveis à Terra, tal como nas regiões que se caracterizam pela matéria grosseira. Aqui também existem enormes extensões de potencial inferior, como há, no planeta, grandes tratos de natureza rude e incivilizada. Os trabalhos primordiais foram desanimadores, mesmo para os espíritos fortes. Onde se congregam hoje vibrações delicadas e nobres, edifícios de fino lavor, misturavam­se as notas primitivas dos silvícolas do país e as construções infantis de suas mentes rudimentares”. Rapaz, não sei como os sociólogos e antropólogos sociais não entraram na justiça, ainda, contra essa frase absurda: “as notas primitivas dos silvícolas do país e as construções infantis de suas mentes rudimentares”, isso demonstra a mentalidade elitista da época, que tanto o o espírito, quanto o médium e a Federação Espirita Brasileira, em relação aos silvícolas, considerados seres inferiores a eles. Mas, não para só aí a história. Nosso Lar teve um período de conturbação social, com ações desonestas por parte de suas autoridade, que praticavam negócios ilícitos e clandestinos. Resultado, um novo governador decretou estado de sítio, prendeu os cabeças das facaltruas, e proibiu que se comesse outra coisa que não ar e água fluidificada. Tinha de ser brasileira, não há dúvida. Também, como houvesse ameaça de invasão da cidade, colocou em ação as armas defensivas, nos seus muros. “Tudo isso provocou enormes cisões nos órgãos coletivos de "Nosso Lar", dando ensejo a perigoso assalto das multidões obscuras do Umbral, que tentaram invadir a cidade, aproveitando brechas nos serviços de Regeneração, onde grande número de colaboradores entretinha certo intercâmbio clandestino, em virtude dos vícios de alimentação. Dado o alarme, o Governador não se perturbou. Terríveis ameaças pairavam sobre todos. Ele, porém, solicitou audiência ao Ministério da União Divina e, depois de ouvir o nosso mais alto Conselho, mandou fechar provisoriamente o Ministério da Comunicação, determinou funcionassem todos os calabouços da Regeneração, para isolamento dos recalcitrantes, advertiu o Ministério do Esclarecimento, cujas impertinências suportou mais de trinta anos consecutivos, proibiu temporariamente os auxílios às regiões inferiores e, pela primeira vez na sua administração, mandou ligar as baterias elétricas das muralhas da cidade, para emissão de dardos magnéticos a serviço da defesa comum”.

Nosso Lar está cheio de revelações sem qualquer prévia ou posterior explicação. A cidade Nosso Lar, está repleta de bosques, árvores, plantas e flores! Vindas de onde? Espíritos de vegetais desencarnados? Tem animais domésticos! Os espíritos desses animais que morreram? Tem “muares” e cães! São os fantasmas dos que aqui se finaram? Silêncio tumular. 

Nosso lar tem moeda própria, logo uma economia: o bônus-hora. “O espírito que ainda não trabalha, poderá ser abrigado aqui; no entanto, os que cooperem podem ter casa própria. O ocioso vestirá, sem dúvida; mas o operário dedicado vestirá o que melhor lhe pareça”! Como assim? Tem indústria têxtil, para que o trabalhador possa “vestir o que melhor lhe pareça”?

  “O bônus­hora, no fundo, é o nosso dinheiro. Quaisquer utilidades são adquiridas com esses cupons, obtidos por nós mesmos, a custa de esforço e dedicação. As construções em geral representam patrimônio comum, sob controle da Governadoria; cada família espiritual, porém, pode conquistar um lar (nunca mais que um), apresentando trinta mil bônus­hora, o que se pode conseguir com algum tempo de serviço”. Observe-se “Quaisquer utilidades são adquiridas com esses cupons”! Quer dizer que há comércio? O interessante é: “cada família espiritual, porém, pode conquistar um lar (nunca mais que um), apresentando trinta mil bônus­hora”. Ou seja, isto quer dizer que existem empresas de construções? Rapaz, quando li “Nosso Lar” , há muitos e muitos anos, me senti ludibriado. Diziam que tudo que se construía no mundo espiritual era construções mentais: eu queria uma casa, pensava nela e pimba, olha ela ali. Veio André Luiz e disse: nada disso, tem de comprar. Para mim as roupas eram questão de eu pensar que queria estar vestido, mentalizar o tipo e modelo e pronto, estava vestido na hora, André Luiz me desmentiu: pode vestir o que quiser, mas tem de pagar.

Para finalizar, Nosso Lar parece mais um convento, do que um “cidade” (o que na verdade não é, mas sim uma colônia, de que tipo não se sabe). E olha que nem falei do pretenso umbral, um maneira rebuscada e pretensiosa do autor espiritual se referir à região de passagem descrita por Frederic Myers, desencarnado, através da médium Geraldine Cummins. Umbral é uma palavra que vem do latim, e significa: soleira, ombreira!

Muita paz!

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Quando o mal gera o bem


            Com o Evangelho Pneumático[1] Consolidou-se o trabalho de Paulo de Tarso, consciente ou inconsciente, de promover o sincretismo entre a mensagem judia de Jesus e o politeísmo. Nunca isto seria possível se a mensagem de Jesus permanecesse, como queriam o Apóstolos, circunscrita ao âmbito judaico. Ao que tudo indica, o plano de Jesus era, primeiramente consolidar o seu movimento entre os judeus, o que aconteceu razoavelmente bem, como se pode ver lendo o Atos dos Apóstolos. Em seguida, transplanta-lo para o mundo não judeu. Desde o início, a Comunidade do Novo Caminho, ou seja, da nova seita do Judaísmo, semelhante ao Caminho dos Fariseus, Caminhos dos Saduceus, Caminho dos Essênios, etc. Mas, para isso tinham de acontecer tinham de ser vencido a resistência judia de fraternização com os politeístas. Com a assimilação de judeus oriundos da diáspora na comunidade, muitos deles escravos libertos e gregos, o preconceito dos judeus nascidos na Palestina contra os que viveram entre os infiéis, logo se fez  presente na nova comunidade: Ora, naqueles dias, crescendo o número dos discípulos, houve uma murmuração dos gregos contra os hebreus, porque as suas viúvas eram desprezadas no ministério quotidiano (Atos 6, 1). Estes não ficaram apenas na dissidência e reclamações interna corporis, mas começaram a estragar isso numa sinagoga separada feita para eles, o que já mostra o preconceito de que eram vítimas: uma Sinagoga dos Libertos, ou seja, de judeus que havia sido escravos, cuja liberdade, na maioria dos casos havia sido comprada. Mas eles nunca se livravam da marca, inclusive física pois eram marcados a ferro em brasa, da humilhante, dó opróbio, que tiveram a desventura de sofrer, pois o pensamento religioso era que eles passaram por isso por castigo de Deus, logo mereceram isso. Semelhante ao que dizem os espíritas em relação aos que nascem com restrições físicas ou que sofrem doenças graves ou acidentes e perdas graves na família; sofredores transformados em criminosos, por uma fantasiosa e preconceituosa Lei de Causa e Efeito, ou Karma, cuja origem está na dominação dos Dravidianos pelos Arianos, tendo dominadores criado castas, e inventaram que todos estavam na casta que mereciam, pelas ações passadas (carma significa atos, ações). E tinham de aceitar, resignadamente, sua condição sem se rebelar, pois somente assim, na outra existência, renasceriam numa vasta melhor, ou retornariam àquela da qual caíram!

            Continuando o que estava escrevendo, é entre sinagogas de judeus, da diáspora, de diversas regiões, e um deles que pertencia à Comunidade do Novo Caminho,  que surge uma grande divergência:  

E Estêvão, cheio de fé e de poder, fazia prodígios e grandes sinais entre o povo. E levantaram-se alguns que eram da sinagoga chamada dos libertinos, e dos cireneus e dos alexandrinos, e dos que eram da Cilícia e da Ásia, e disputavam com Estêvão. E não podiam resistir à sabedoria, e ao espírito com que falava. Então subornaram uns homens, para que dissessem: Ouvimos-lhe proferir palavras blasfemas contra Moisés e contra Deus. E excitaram o povo, os anciãos e os escribas; e, investindo com ele, o arrebataram e o levaram ao conselho. E apresentaram falsas testemunhas, que diziam: Este homem não cessa de proferir palavras blasfemas contra este santo lugar e a lei; porque nós lhe ouvimos dizer que esse Jesus Nazareno há-de destruir este lugar e mudar os costumes que Moisés nos deu (Atos 6, 8-14).

            

Observe-se de pronto uma coisa: Estevão era do grupo dos que foram indicados para gerenciar a distribuição dos recursos dentro a Comunidade, quando da reclamação citada: 

E os doze, convocando a multidão dos discípulos, disseram: Não é razoável que nós deixemos a palavra de Deus e sirvamos às mesas. Escolhei pois, irmãos, de entre vós sete varões de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos quais constituamos sobre este importante negócio. Mas nós perseveraremos na oração e no ministério da palavra. E este parecer contentou a toda a multidão, e elegeram Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, e Filipe, e Prócoro, e Nicanor, e Timon, e Pármenas e Nicolau, prosélito de Antioquia; E os apresentaram ante os apóstolos, e estes, orando, lhes impuseram as mãos (Atos 6, 2-6).

            Observe-se, pelos nomes, e pela própria indicação, que todos eles eram da diáspora, pois a reclamação nascera deles, e foram os que indicaram. Ora, os Apóstolos haviam se preservado o privilégio da palavra, ou seja, de divulgação dos princípios estabelecidos por Jesus. Afinal eles haviam convivido com ele, durante os três anos de sua vida pública. Mas Estevão começou a se destacar pelos pródigos e sinais, ou seja, fazia curas e fenômenos eram produzidos por seu intermédio. Outro pormenor a se observar, é que os que reclamavam nunca haviam reclamado contra os Apóstolos. Por que isto? Porque Estevão atraia a atenção sobre eles, que já sofriam pesada discriminação, pois seu atos e palavras, naturalmente, eram vinculados a uma judeu que havia sido condenado pelo Sinédrio e pelos romanos. Na verdade, o que os motivou foi o medo de serem ainda mais perseguido. Que as autoridades judaicas se aproveitassem do que estava acontecendo, tendo um deles como personagem central, e transformassem a raiva e preconceito que sentiam por eles em perseguição ativa. Eles agiram em defesa própria. Foi um ato mesquinho, mas de sobrevivência. Foi uma mensagem à população que dizia: Ele é um de nós, não nos representa! Nós somos judeus obedientes a Lei de Moisés, e não concordamos com Estevão. No momento em que tem de fazer sua defesa, ele faz um discurso, onde resume a história do povo, como se encontra no que denominamos “Antigo Testamento”, e nele termina por mostrar como os líderes sempre traíram os princípios da Lei, e com uma forte invectiva: 


Homens de dura cerviz, e incircuncisos de coração e ouvido; vós sempre resistis ao Espírito Santo; assim vós sois como vossos pais. A qual dos profetas não perseguiram vossos pais? Até mataram os que anteriormente anunciaram a vinda do Justo, do qual vós agora fostes traidores e homicidas; vós, que recebestes a lei por ordenação dos anjos, e não a guardastes. E, ouvindo eles isto, enfureciam-se em seus corações, e rangiam os dentes contra ele (Atos 7, 51-54).

            É  claro que, após essa denúncia seu destino era a execução. Mas ele ainda acrescenta mais. Motivos: 


Mas ele, estando cheio do Espírito Santo, fixando os olhos no céu, viu a glória de Deus, e Jesus, que estava à direita de Deus; e disse: Eis que vejo os céus abertos, e o Filho do homem, que está em pé à mão direita de Deus. Então, eles gritaram com grande voz, taparam os seus ouvidos, e arremeteram unânimes contra ele (Atos, 7, 55-57).

Ou seja, nem precisaram deliberar, a sentença foi feita à revelia dos protocolos tradicionais, pois o crime de blasfêmia era, de todos, o pior. O próprio Jesus foi condenado por esse crime, por dizer palavras semelhantes. 

Então:

 

E, expulsando-o da cidade o apedrejavam. E as testemunhas depuseram os seus vestidos aos pés de um mancebo chamado Saulo. E apedrejaram a Estêvão, que em invocação dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito.E, pondo-se de joelhos, clamou com grande voz: Senhor, não lhes imputes este pecado. E, tendo dito isto, adormeceu (Atos 7, 58-60).

 

            Por incrível que possa parecer ao senso comum, que sempre espera que as coisas espirituais aconteçam de acordo com a mais alta moralidade, o movimento de Jesus começou com sua prisão, tortura e assassinato. E o Cristianismo teve início da mesma forma, mas com uma diferença, enquanto Jesus era um ser humano altamente ético e moral, o fundador do cristianismo começou como cúmplice de um assassinato, perseguidor fanático e torturador. E fez mais pela divulgação do ensino de Jesus por todo o mundo greco-romano, do que todos os Apóstolos juntos.


[1] Do grego pneuma, ou seja, Evangelho Espiritual.